1. Como surgiram os Games & Esports?

De que maneira os jogos eletrônicos impactam nossas vidas?

Independente do lugar no Brasil ou no mundo em que esteja, existem consumidores do mercado de jogos eletrônicos. O seu sucesso em muito se deve ao desenvolvimento das telecomunicações, hardware e infraestruturas de internet que são a base operacional de diversos modelos de negócios em uma economia digitalizada[1].

Recentemente, tivemos um boom na economia digital com serviços e plataformas digitais, aplicativos móveis, novos meios de pagamento e também o entretenimento digital. Com isso, temos assistido ao surgimento de alguns de seus desdobramentos como o metaverso, internet das coisas, big data, I.A, integração de sistemas, NFT, realidade aumentada, armazenamento em nuvem e muito mais.

Nesse sentido, é importante salientar que os jogos eletrônicos em que se baseiam os esports, são constituídos de uma estrutura econômica própria, isto é, que possuem um processo de produção independente, assim como uma relação jurídica baseada nos modelos de negócio da economia digitalizada.

Ademais, a própria lógica interativa dos jogos tem levado até mesmo educadores a repensar as estratégias e metodologias de ensino, diante desse novo público cada vez mais conectado. Uma das propostas que tem se destacado é a da Gamiologia nas práticas de ensino[2]. De acordo com Rodrigues, a Gamiologia:

[…] reconhece os jogos como uma estratégia de ensino capaz de ultrapassar a zona de repetição da aprendizagem para a zona da criação dos saberes. A sociedade necessita atentar-se ao contexto dos jogos, para entender como se processa o ensino-aprendizagem dessa geração![3].

Em outras palavras, é preciso estar atento as novas necessidades que emergem do diálogo intergeracional das escolas tradicionais diante de alunos cada vez mais conectados ao ambiente virtual, assim como as experiências com o universo dos jogos digitais.

Já no que concerne aos esports, temos que eles são considerados atividade desportiva, sobretudo pela manifestação cultural à nível global. Apesar das recentes derrapadas da Ministra do Esporte na atual gestão do Governo Federal, aplica-se a Lei Geral do Desporto como norma específica para o cenário, pois regulamenta as atividades lúdicas e quando há uma profissionalização do atleta.

  • Direito Gamer & Esports:

Punições em jogos e eventos desportivos. Quais as saídas possíveis?

Existem diversos jogadores pelo Brasil e pelo mundo que realizam investimentos de tempo e dinheiro dentro de jogos eletrônicos. Esse investimento se dá em um bem de valor material e intangível que de algum modo possui valor o usuário. Nesse sentido, apesar de existir previsão contratual para punição em jogos eletrônicos e esports, as empresas possuem responsabilidade em caso de eventuais erros e equívocos.

Não são raras as evidências de que DPOL[4] podem cometer erros e inclusive se deparar com um falso positivo de algum programa antihack, especialmente, quando os funcionários da empresa não possuem outros elementos para uma análise mais aprimorada da situação. Especialmente, nesses casos as empresas são passíveis de responsabilização por equívoco, falha, defeito e outras situações que venham a ocorrer durante o uso do jogo.

Por outro lado, é preciso ter em mente que punir é um dever da empresa, tendo em vista a sua autoridade e responsabilidade de administrar o jogo. Portanto, quaisquer ameaças por cheat, hack e bugs que afetem o equilíbrio e balanceamento do jogo gerando um efeito anticompetitivo devem ser investigados e tomadas as devidas providências.

Um usuário que tiver sua conta banida de forma injustificada provocando, em alguns casos, prejuízos matérias e morais por ter sua conta divulgada em uma lista de contas banidas, terá, portanto, direito a provocar o Poder Judiciário e demandar perdas e danos. Do mesmo modo, o pro-player impedido de participar de campeonatos, que tiver um contrato de trabalho desportivo, que tiver prejuízos também poderá reclamar suas perdas[5].

Nesse sentido, existe responsabilidade da DPOL envolvida, pois os usuários que se sentirem lesados podem acusar a empresa de má gestão de seu dever de punir usuários que transgridam as regras do jogo. Contudo, as punições aos consumidores de jogos eletrônicos e pro players em competições desportivas devem ter previsão contratual e serem justificadas.

A Valve, desenvolvedora de CS:GO e muitos outros jogos de sucesso, prevê em seu canal de comunicação do suporte Steam, o procedimento adotado para os banimentos e o uso de um programa antitrapaça de auxilia na identificação de outros programas maliciosos. Além disso, menciona que visa evitar coibir o uso de “aplicativos de terceiros que concedem vantagem” a um player em detrimento dos demais que não fazem uso, conforme se observa abaixo:

Além disso, a Valve já adianta que os banimentos são irrecorríveis, o que pode gerar debate sobre a legalidade de tal posicionamento. Por outro lado, no que diz respeito ao banimento do cenário competitivo, é interessante analisar o regramento de competições do Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLOL), que prevê diversas penalidades aos players e em alguns casos até para os times:

É interessante perceber que além do regulamento oficial do CBLOL, os participantes devem estar atentos as regras do jogo, que no caso é o League of Legends. Ademais, é possível verificar um escalonamento de penalidades desde um advertência verbal até uma desclassificação de eventos futuros e banimento do cenário competitivo por tempo indeterminado.

No entanto, torna-se de fundamental importância advertir aos leitores de que existe um dilema envolvendo o banimento permanente de jogos e competições desportivas. Isso porque, o CDC define como prática abusiva a recusa do fornecedor, seja ele uma Publisher ou desenvolvedora, que se negar a vender produto ou serviço[8]. Isso fica mais claro, através da atenta leitura do art. 6° , IV, que reforça essa ideia quando dispõe sobre os direitos básicos do consumidor:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)

IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (grifos do autor);

Em consonância com a interpretação do CDC, o próprio Código Civil, também prevê que o que está sendo aplicado pela Riot configura um abuso de direito[9]. Esse é um forte indicativo de que o ordenamento jurídico brasileiro é mais favorável a posição do consumidor do que a do fornecedor, no que concerne a um banimento permanente.

Conclui-se, portanto, que seja em competições desportivas ou mesmo dentro dos jogos eletrônicos, com base nesses institutos legais, temos que as penalidades devem ser proporcionais e atentam para os excessos de rigor ao ponto de gerar um cancelamento do acesso de um usuário a conta do jogo de maneira permanente.

  • Advogado dos Gamers

Bruno Cassol da Silva é advogado dos gamers e esports formado pela UFSC – e inscrito nos quadros da OAB/SC sob o nº 64.169, pesquisador científico, escritor apaixonado e movido pelos jogos eletrônicos desde o primeiro contato com lanhouses. Especialista em Direito Gamer e eSports. Mestrando em Direito e Inteligência Artificial pela UFSC. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela PUC/RS. Especialista MBA em Direito Digital pela PUC/RS. Especialista em Propriedade Intelectual pelo INPI/OMPI. Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC.

No ano de 2022, instigado pelo boom do direito e as novas tecnologias decidiu criar um escritório de advocacia especializado para gamers e esports.  Ainda no mesmo ano, realizou a publicação de três obras sobre o cenário gamer e dos esports:

Livros

Desde então, realiza atendimento especializado para consumidores de jogos eletrônicos (profissionais e não profissionais), suporte jurídico em casos de banimentos ou bloqueios indevidos de contas, acessos não autorizados e proteção de bens virtuais. Presta serviços jurídicos tanto no consultivo (extrajudicial), quanto no contencioso (judicial) para jogadores profissionais, streamers, times, ligas, organizações, comissões técnicas, analistas, managers, narradores, comentaristas e casters.

Atua em Direito do Consumidor Gamer para análise de banimentos.  reversão de punição indevida. solicitação de reembolso. recuperação de itens e outros bens virtuais. Inclusive, presta assessoria jurídica para times, na formação do plano de negócios e formalização do time, assim como análises contratuais, registro de marca e proteção da propriedade intelectual.  Quanto aos a assessoria jurídica para players, orienta a confecção de plano de carreira, análises contratuais, reinvindicação de direitos trabalhistas, proteção do direito de imagem e atuação contra crimes cibernéticos.

No desejo de se expressar na área dos Games começou a buscar conhecimento com os melhores do cenário dos jogos eletrônicos e esports. O autor traz em seu trabalho muita energia, e inspiração. Explorando o seu lado gamer e os conhecimentos adquiridos no campo do direito idealizando compor uma forma simples de proporcionar durante a leitura uma satisfação, libertação e reencontro com sua própria essência.

Este artigo foi produzido por Bruno Cassol da Silva, a quem é reservado os direitos autorais sobre a obra.

Brasil, 22 de janeiro de 2023.


[1] DIGITAL ECONOMY REPORT. United Nations. 2019. Disponível em:<https://unctad.org/system/files/official-document/der2019_overview_en.pdf>.

[2] CAPONETTO, Ilaria; EARP, Jeffrey; OTT, Michela. Gamification and education: A literature review. In: European Conference on Games Based Learning. Academic Conferences International Limited, 2014. p. 50.

[3] RODRIGUES. Thereza. Twitter. 2022. Disponível em: < https://twitter.com/maepixel2020 >.

[4] Desenvolvedora, Publisher, Organizadora de Eventos e Ligas.

[5] A punição injustificada ou equivocada pode gerar a responsabilidade do fornecedor pelo serviço prestado conforme art. 20 do CDC:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Decreto Presidencial nº 2.181, de 20 de março de 1997, Brasília, DF, 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>).

[6] Suporte Steam. Valve. 2022. Disponível em:< https://help.steampowered.com/pt-br/faqs/view/647C-5CC1-7EA9-3C29#whyban>.

[7] Regulamento Oficial do CBLOL Temporada 2022. RIOT. 2022. Disponível em:< https://assets.contentstack.io/v3/assets/bltad9188aa9a70543a/blt5f029dff8cb11e55/61d882778aabbf6426b751ba/CBLOL_-_Regulamento_Oficial_[1.1].pdf>.

[8] Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; (…) IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais (BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Decreto Presidencial nº 2.181, de 20 de março de 1997, Brasília, DF, 1997. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>) (grifos do autor).

[9] Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>) (grifos do autor).